conecte-se conosco


Mundo

Nakba: o que foi a ‘catástrofe’ do povo palestino

Publicado

Criação do Estado de Israel tirou palestinos de onde eram suas casas
Reprodução/Montagem iG

Criação do Estado de Israel tirou palestinos de onde eram suas casas

O conflito no Oriente Médio envolvendo palestinos e israelenses tem entre suas raízes a criação do Estado de Israel que – para os palestinos – causou o que eles chamam de Nakba, que em árabe significa “catástrofe” ou “desastre”. Por isso, para compreender a guerra travada na região é preciso entender esse episódio que segue vivo na memória do povo palestino. A Nakba é lembrada todo 15 de maio, que é o dia seguinte ao da Independência de Israel, declarada em 1948 e baseada na Resolução 181 das Nações Unidas que recomendou a partilha da Palestina entre árabes e judeus.

Em consequência, eclodiu o que ficou conhecida como a 1ª guerra “árabe-israelense”, quando Síria, Jordânia, Egito, Líbano e Iraque iniciaram uma ofensiva contra o novo país.

Como resultado desse conflito, estima-se que de 700 mil a 800 mil palestinos foram expulsos de suas terras e entre 400 e 500 vilas palestinas foram destruídas. Por isso, seis meses depois, em dezembro de 1948, a Assembleia-Geral da ONU aprovou a Resolução 194, dando direito aos palestinos refugiados voltarem paras suas terras se assim desejassem. Porém, essa resolução nunca foi cumprida.

Segundo a relatora especial das Nações Unidas para a Palestina Ocupada, Francesca Albanese, cerca de 40% dos palestinos da Cisjordânia são refugiados desde 1948 “que fugiram da violência que acompanhou a criação do Estado de Israel”.

Além disso, a maioria dos residentes da Faixa de Gaza é de refugiados ou descendentes de refugiados, segundo a especialista da ONU. Desde 1998, o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Yasser Arafat, tornou o Nakba uma data oficial no calendário palestino. Em 2011, o Parlamento israelense aprovou uma lei que permite a suspensão de recursos para instituições que celebram o Nakba.

Para entender como o povo palestino enxerga a criação do Estado de Israel, a Agência Brasil entrevistou dois especialistas sobre o tema. A primeira é Soraya Misleh. Filha de um sobrevivente e refugiado do Nakba, a jornalista palestino-brasileira é mestre e doutora em estudos árabes e diretora do Instituto da Cultura Árabe. O pai de Misleh, Abder Raouf, tinha apenas 13 anos quando foi expulso junto com toda a família da aldeia Qaqun, na Palestina. O segundo entrevistado é o professor de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), Bernardo Kocher, especialista em história contemporânea.

O que foi a Nakba?

Soraya Misleh: “A pedra fundamental da Nakba é a formação do Estado de Israel mediante limpeza étnica planejada. A construção dessa Nakba é um projeto colonial que começou no fim do século 19 com o surgimento do sionismo político moderno e que visava a conquista da terra e do trabalho na Palestina histórica, via o que eles chamavam de transferência populacional. Afinal, no final do século 19, tinha só 6% de judeus na Palestina.

O que acontecia? Cada vez que eles chegavam lá constituíam um colonato, um assentamento, expulsando os palestinos nativos. Além disso, cada vez que se estabelecia uma fábrica ou um serviço, o trabalho era exclusivo para judeus. Teve várias revoltas contra isso. Em 1947, a ONU recomendou a partilha da Palestina. A resolução [181 da ONU] foi o sinal verde para que aqueles planos de limpeza étnica fossem executados.

Em seguida, começou a fase mais agressiva da expulsão dos palestinos. Teve vários genocídios. O caso clássico era o que aconteceu com a aldeia da minha família, que tinha 2 mil habitantes e vivia de agricultura de subsistência. Eles cercavam as aldeias por três lados e deixando uma única saída para as pessoas irem embora. Em seguida, bombardeavam o centro da aldeia – que era a praça onde estava a escola, a Mesquita, a vida comunitária – matavam algumas pessoas, também teve casos de estupros. Em consequência, foram 800 mil palestinos expulsos e mais de 500 aldeias destruídas. Desde então, a sociedade está inteiramente fragmentada e se iniciou o problema dos refugiados.”

O que é o sionismo, movimento que dá origem ao Estado de Israel?

Bernardo Kocher: “É um contraponto à felicidade que os israelenses demonstraram ao criar seu Estado nacional. Com a partilha da ONU em maio de 1947, foi declarada a independência de Israel e as terras que os israelenses receberam tinham 50% de árabes. Com isso, os palestinos e o mundo árabe questionaram, como é que pode um Estado judeu criado com a metade da população de não judeus?

A resolução da partilha, da qual o Brasil presidiu com o ministro Oswaldo Aranha, foi um equívoco brutal. Ela deu as melhores terras aos israelenses e, a partir de 1947, os israelenses, que já vinham fazendo isso lentamente, aceleraram o processo de expulsão de palestinos e de invasão de aldeias com massacres e ações terroristas. Portanto, israelenses apresentam isso como um feito e os palestinos, que foram expulsos, começaram a chamar a Independência de Israel como Nakba.

É uma forma de manter essa memória porque muitas matanças foram feitas, aldeias inteiras foram dizimadas. Um dos exemplos mais conhecidos foi o massacre da aldeia de Deyr Yassin por grupos terroristas. Vários desses grupos terroristas depois foram incorporados ao Exército de Israel.

A Nakba é a forma dos palestinos chamarem o início de sua diáspora.”

Como a comunidade internacional como reagiu a esses fatos?

Soraya Misleh: “Infelizmente, o mundo saudou a colonização que resultou na catástrofe palestina. O mundo havia acabado de sair das atrocidades do nazismo na Europa e me parece que os europeus, para expiar sua própria culpa pelo que aconteceu no Holocausto, decidiram que as vidas palestinas não importavam. Foi uma decisão que não levou em conta a vida dos palestinos.

Infelizmente, a cumplicidade internacional em relação ao que acontece com os palestinos é histórica, desde antes de 1948, e continua até hoje.

Se não faz nada hoje, você acha que em 1948 que não havia meios de comunicação faria? O silêncio foi ainda maior, porque Israel teve o apoio inclusive da União Soviética, que enxergava o Estado de Israel como uma oposição ao imperialismo inglês. Os Estados Unidos apoiavam, mas não tinham o poder que têm hoje. A Europa, por causa do problema de consciência do Holocausto, também apoiava; o Brasil apoiou, a América Latina apoiou. Naquela época, parecia uma coisa progressista. Então, a questão Palestina foi invisibilizada e acabou tratada por países como Egito, a Jordânia e a Síria, que eram os maiores inimigos de Israel. Mas, com o tempo, eles foram neutralizados ou derrotados por Israel.

A questão Palestina ficou abandonada até a criação da Organização pela Libertação da Palestina (OLP), na década de 1960.”

Qual a importância e o significado que o povo palestino dá a Nakba?

Soraya Misleh: “Significa o presente na vida dos palestinos. A Nakba não acabou. O passado para os palestinos é o presente. Essa Nakba continua presente todos os dias e é a ameaça de apagamento existencial do futuro. Meu pai contava como era a Palestina antes de 1948. Meu pai é uma vítima e um sobrevivente da Nakba. Ele falava sempre como eles levavam uma vida simples, mas feliz. Não tinha tranca nas portas e a gente corria por aquele verde, tudo o que a gente precisava a terra dava. Era uma vida muito comunitária.”

Kocher: “Você já deve ter visto os palestinos portando aquelas grandes chaves antigas. É a chave de casa que eles esperam algum dia voltar. Eles enxergam esse processo de uma forma muito lúcida, sem nenhuma ilusão. Nós que estamos longe desse conflito, e os europeus que fingem que não veem, olhávamos para a situação de uma forma muito romantizada sobre o que é Israel.

Para os palestinos, não foi dado esse direito de romantizar essa história e todos eles têm uma consciência muito clara do que se passou.”

Acredita que a demanda de retorno dos palestinos expulsos na Nakba inviabiliza um acordo de paz com Israel?

Soraya Misleh: “Sim, mas isso é um direito inalienável e inegociável do povo palestino reconhecido pela ONU na sua Resolução 194. Israel não quer a paz. Não existe paz sem justiça para a totalidade do povo palestino. Você tem 6 milhões de palestinos em campos de refugiados, milhares na diáspora, e se você não reconhece o direito humano internacional ao retorno à terra, não há qualquer tipo de acordo. O historiador israelense Ilan Pappé está falando há muitos anos que essa apregoada solução de dois Estados está morta pela expansão colonial agressiva israelense.”

Kocher: “Os judeus foram expulsos no século 3 antes de Cristo da Palestina pelos romanos e voltaram 2 mil anos depois. Os palestinos foram expulsos há 75 anos, por que eles não podem voltar? A questão não é o retorno, mas sim que Israel vai ter que abdicar de terras e é um volume de terras muito grande. A gente está conversando aqui e eles estão ocupando algum pedaço da Cisjordânia ou de Jerusalém Oriental. Como fazer os israelenses pararem e devolverem as terras? Não sei exatamente como isso vai ser feito.”

Fonte: Internacional

Comentários Facebook
publicidade
Clique para comentar

Deixe seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mundo

Bolsonaro deve receber tratamento de chefe de Estado na posse de Milei

Publicado

Javier Milei e Bolsonaro se encontraram na última sexta-feira
Reprodução/redes sociais

Javier Milei e Bolsonaro se encontraram na última sexta-feira

Em Buenos Aires desde quinta-feira (7), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) receberá tratamento de chefe de Estado neste domingo (10) durante a cerimônia de posse de Javier Milei como presidente da Argentina. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não comparecerá ao evento e será representado pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.

Neste domingo, Bolsonaro deve receber tratamento de chefe de Estado após ter sido pessoalmente convidado por Milei para participar da cerimônia de posse. Segundo a equipe do argentino informou à Folha de S. Paulo, Bolsonaro estará nas cerimônias fechadas no Congresso Nacional e na Casa Rosada.

Bolsonaro já se encontrou com Milei na sexta-feira (8), em reunião que contou também com a presença da ex-candidata à presidência e futura ministra da Segurança da Argentina, Patricia Bullrich, do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), do ex-secretário de Comunicação da Presidência, Fabio Wajngarten, e do presidente do Partido Liberal, Valdemar Costa Neto.

Depois do encontro, Bolsonaro disse à imprensa que a reunião com Milei foi uma “conversa entre amigos”, e que eles falaram sobre “muitas amenidades”. “A equipe dele [Milei] está sendo formada muito parecido como nós formamos a nossa no Brasil, e não dá nem para comparar com a equipe do turista que é o Lula”, disse Bolsonaro.

Além de se encontrar com Milei, Bolsonaro também se reuniu em Buenos Aires com o ex-presidente argentino Mauricio Macri e com o primeiro-ministro da Hungria, o ultradireitista Viktor Orbán. Nas redes sociais, Orbán chamou Bolsonaro de “bom amigo”.

Além de Bolsonaro

Uma espécie de caravana de cerca de 50 bolsonaristas (incluindo deputados, senadores e governadores) acompanha o ex-presidente na viagem, mas não deve ter espaço nas cerimônias oficiais já que, além de Bolsonaro, apenas seu filho Eduardo foi formalmente convidado para a posse de Milei.

Os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), e do Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), também devem estar em Buenos Aires neste domingo.

Fonte: Internacional

Comentários Facebook
Continue lendo

Mundo

Javier Milei assume hoje a presidência da Argentina; veja detalhes

Publicado

Javier Milei toma posse neste domingo
Reprodução/Instagram

Javier Milei toma posse neste domingo

Javier Milei assume neste domingo (10) a presidência da Argentina depois de conquistar o apoio de 55% dos eleitores no pleito disputado em novembro. A cerimônia de posse acontece em Buenos Aires a partir das 11h no horário local (o mesmo de Brasília).

A primeira parada de Milei é no Congresso, onde prestará juramento, será empossado e receberá a faixa e o bastão presidenciais do atual presidente, Alberto Fernández. A vice-presidente Cristina Kirchner entregará os atributos à futura vice-presidente, Victoria Villarruel.

O primeiro discurso de Milei como presidente não deve ser feito dentro do Congresso, mas sim do lado de fora, onde espera que seus apoiadores estejam. Nas redes sociais, o ultralibertário convocou a população a ir à sua posse levando bandeiras da Argentina.

Depois de discursar na porta do Congresso, Milei seguirá para a Casa Rosada, sede do Executivo, onde cumprimentará as delegações estrangeiras. Apesar de fazer o trajeto escoltado, Milei pretende descer na Praça de Maio e cruzá-la a pé, rumo à Casa Rosada.

No final da tarde, por volta das 17h, os ministros de Milei devem tomar posse, cerimônia que será seguida por um culto inter-religioso na Catedral Metropolitana de Buenos Aires. À noite, haverá uma apresentação no Teatro Colón.

Brasil na posse de Milei

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não irá a Buenos Aires para a posse de Milei, e será representado pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.

Depois de Milei atacar diretamente o presidente durante sua campanha e diante da presença de bolsonaristas no evento, Lula optou por não comparecer à cerimônia.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que se encontrou com Milei na Argentina na sexta-feira (8), marcará presença na posse. Além dele, uma espécie de comitiva bolsonarista deve comparecer à cerimônia, incluindo 30 deputados federais, quatro deputados estaduais e cinco senadores.

Na lista, aparecem nomes como os do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL) e do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Apesar da lista contar com cerca de 50 nomes, apenas Bolsonaro e seu filho Eduardo foram formalmente convidados por Milei – os demais não devem ter espaço garantido na cerimônia.

Governo de Milei

Milei assume o governo com discurso radical ligado à extrema direita e pautas ultraliberais. Dentre suas principais defesas, estão a dolarização da economia e a privatização de empresas estatais.

De acordo com o jornal argentino Clarín, logo na segunda-feira (11) Milei deve lançar um pacote econômico que contará com as seguintes medidas:

  • Proibição ao Banco Central da Argentina de emitir moeda para financiar o Tesouro;
  • Retirada gradual dos subsídios às tarifas entre janeiro e abril;
  • Não haverá obras públicas, exceto aquelas com financiamento externo;
  • Aumento de imposto sobre importações;
  • Prorrogação do Orçamento de 2023 para congelar os gastos;
  • Liberação de preços de combustíveis e planos de saúde;
  • Suspensão de contribuições não reembolsáveis aos estados;
  • Congelamento de benefícios orçamentários para empresas privadas;
  • Os repasses para as universidades serão apenas pelos montantes e valores de 2023;
  • Salários públicos ajustados à nova pauta orçamentária congelada;
  • Transferência da dívida das Leliqs (títulos emitidos pelo BC argentino) para o Tesouro Nacional;
  • As empresas públicas se tornarão sociedades anônimas para facilitar sua venda;
  • Desvalorização do peso e fixação do dólar comercial em cerca de 600 pesos (somados impostos, valor ficaria entre 700 e 800 pesos).

Segundo o Clarín, as medidas não precisam do aval do Congresso. Na Câmara dos Deputados e no Senado, Milei deve enfrentar forte oposição , já que as duas Casas são compostas, em grande parte, por congressistas do Unión por la Patria, coalizão peronista do ministro da Economia e ex-candidato à presidência, Sergio Massa.

Embora o partido de Milei, La Libertad Avanza, tenha alcançado muitas cadeiras no Congresso, o número ainda está longe de representar a maior parte das casas legislativas. Na Câmara, o número de deputados saltou de três para 38, de um total de 257. No Senado, o número aumentou de zero para sete, de um total de 72.

Mesmo contabilizando os congressistas do Juntos por el Cambio, coligação da ex-candidata à presidência Patricia Bullrich, que apoiou Milei no segundo turno e assumirá como ministra da Segurança , o futuro presidente ainda não tem maioria no Senado e ultrapassa a metade na Câmara por apenas dois deputados. Coligações menores, como a Tercera Vía e a Izquierda, também se opõem a Milei.

Fonte: Internacional

Comentários Facebook
Continue lendo

Política MT

Cidades

Nortão

Policial

Mais Lidas da Semana